Cada um na sua

“Aposto que quando você tinha a minha idade também fazia isso!” São incontáveis as vezes nas quais uma repreensão em casa foi rebatida assim. E a minha resposta era praticamente a mesma: “Eu fazia, e a minha mãe me dava bronca. Eu era a filha, agora, eu sou a mãe. Você está na sua de fazer, eu estou na minha de proibir”.
A magia da vida está nas transformações constantes pelas quais passamos. De filhos para pais, seguimos no desenvolvimento humano pelo caminho da linguagem. Desde muito pequenininhos, eles desobedecem com choros e gestos insistentes. Depois da palavra “não”, quanto mais crescem e se desenvolvem, mais os questionamentos vêm para a ponta da língua.
Vejo muitos pais acuados pelo próprio passado, sem coragem de sustentar regras e limites porque, quando eram crianças e adolescentes, fizeram o mesmo que os filhos fazem. Também já ouvi relatos de pais que bebem ou fumam e não se sentem credenciados para proibir os filhos de consumir álcool, tabaco e até drogas. Mas os erros cometidos e as transgressões dos tempos de menino e da juventude não desautorizam ninguém.
Em uma conversa com o psicólogo clínico-comportamental Florival Scheroki, professor da Universidade de São Paulo (USP), reforcei a ideia de que as crianças precisam entender o que é aceitável em cada idade e qual o papel que cada um desempenha na família e na sociedade. Segundo ele, essa confusão de se sentir desautorizado pelo passado ou pelo próprio jeito de ser não é exclusividade das relações entre pais e filhos, é um comportamento generalizado, acontece entre as pessoas em geral, em todos os tipos de relacionamento. O problema é que para a criança, a confusão é maior e mais danosa.
Enquanto a criança não sabe avaliar, o adulto é o responsável e ela passa a confiar nele. “Não pode usar o passado para desculpar o fato de não ter atitude de orientação adequada, perpetuando a coisa ruim”. Não há pai que não sirva de exemplo para todas as coisas boas da vida. Ao contrário, devem orientar: “Não faça como eu, não sou um bom exemplo nisso”. Para o psicólogo, os pais não deveriam buscar justificativas no passado para não educar. “Não pode se intimidar pelos erros que cometeu na vida, senão não vai fazer o papel. Mas tem pai que quer perpetuar a vida dele no filho, não quer fazer uma revisão crítica”.

É com essa dinâmica própria da infância, comprovando a regra com a realidade, que se constrói a confiança no adulto. Ao longo do desenvolvimento infantil, a criança aprende a complexidade dos limites e das regras e aceita o que vem com carinho. “Você aprende a seguir regras numa relação gratificante, afetuosamente gostosa”, definiu.
O psicólogo disse que alguns pais não conseguem distinguir se uma regra é negociável ou se é o momento certo de negociar. É importante sustentar as posições mesmo quando há questionamentos, mas os pais não devem perder a oportunidade de ensinar a criança a negociar quando houver margem. Para isso, é preciso respeitar a autonomia do filho e gradativamente partir para pactuar e alterar regras. “É interessante negociar para derrubar regras caducas”.
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